Não há menção às três principais apostas dos estados amazônicos para alavancar suas economias, como exploração de petróleo na Margem Equatorial e o projeto da Ferrogrão, que quer ampliar o escoamento de soja
O Globo
Os governadores dos estados da Amazônia Legal lançaram na COP30, a conferência do clima em Belém, um novo plano conjunto de desenvolvimento de longo prazo. Com metas para aumento de energia limpa e crescimento da bioeconomia, o projeto “Estratégia Regional Amazônia 2050” convive com uma agenda controversa de curto prazo, que prioriza obras de infraestrutura de alto impacto ambiental.
Feito em parceria com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o plano não faz qualquer menção às três principais apostas dos estados para alavancar suas economias, que têm forte impacto ambiental. São elas:
- O asfaltamento da BR-319, estrada que liga Manaus a Porto Velho;
- A construção da Ferrogrão, projeto ferroviário que pretende ligar Sinop (MT) a Miritituba (PA), ampliando o escoamento de grãos pelo Rio Tapajós;
- A exploração de petróleo na Margem Equatorial, que prevê ampliar a estrutura portuária do Amapá.
Alinhado com o discurso dos governadores, o novo plano reconhece desafios ambientais, e coloca a integração territorial como um dos principais gargalos de desenvolvimento, inclusive para a bioeconomia e a produção de produtos da floresta, como castanha e açaí.
“A região ainda enfrenta baixa integração física e econômica entre seus estados”, escrevem os autores. “As rodovias e portos são insuficientes para o escoamento eficiente da produção, e o transporte fluvial carece de investimentos e planejamento regional coordenado.”
Mas não há menção explícita aos projetos. A BR-319, por exemplo, cruza o interflúvio Purus-Madeira, uma das áreas de maior biodiversidade da floresta. Teme-se que a pavimentação gere ali uma dinâmica de ocupação desordenada, com exploração de madeira ilegal, grilagem e avanço predatório da agropecuária.
O medo é que se repita ali o que aconteceu no passado no entorno da Transamazônica e da BR-163.
Na Ferrogrão, o temor é tanto de fragmentação da biodiversidade quanto de perturbação de terras indígenas. O setor de grãos é mais capitalizado que a pecuária, e sua expansão em Mato Grosso pode repetir um fenômeno já visto antes na região de Sinop (MT), com a soja “empurrando” mais a pecuária para dentro da floresta.
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Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o projeto está judicializado e não há hoje um pedido de licenciamento dentro do Ibama para a ferrovia.
Na Margem Equatorial, a Petrobras já recebeu licença do Ibama para prospecção. Se planos de exploração vingarem, a possibilidade de um vazamento a quase 2.000 metros de profundidade não é o único temor.
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O impacto da circulação intensa de grandes navios numa região de corais e a perturbação da biodiversidade na zona de influência do estuário da Foz do Amazonas ainda são riscos pouco estudados.
Maricá em Macapá
Segundo o governador do Amapá, Clécio Luís, não há contradição em o plano para 2050 falar em expansão de energias eólicas e solar na Amazônia, quando a costa amapaense poderá estar abrigando uma nova frente de exploração de petróleo (um combustível que será queimado sobretudo em outros estados ou países).
— O Amapá já é um estado carbono negativo, absorve mais CO2 do que emite, por ser o Estado mais preservado do Brasil, com 97% da cobertura vegetal de floresta intacta — diz. — Só que esse mesmo estado que dá esse exemplo para o Brasil e para o mundo também tem muita pobreza. Essa é a equação que precisa ser resolvida.
Questionado sobre o “paradoxo da abundância” (a experiência de alguns municípios que receberam fluxo de verbas do petróleo e não conseguiram elevar seu índice de desenvolvimento humano), Clécio diz ter contraexemplos em mente.
— Maricá, no Rio de Janeiro, é um bom exemplo. Fora do Brasil, a Noruega é um bom exemplo — afirma. — O petróleo é a atividade econômica que levantou a economia norueguesa. Só que, além do fundo soberano, eles pegam parte dos recursos e aplicam em atividades que não são da base do petróleo.
Estrada-parque
O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), também afirma que o asfaltamento da BR-319 terá providências para que não se repita a história de devastação que marcou a abertura de outras rodovias da Amazônia.
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Com sondagens em Manaus mostrando que a obra tem grande apoio popular, ele diz que argumentos contra a estrada têm a intenção de “colocar a população de joelhos” e permanecer isolada.
— A gente entende o impacto que uma obra dessa traz para o meio ambiente, mas nós estamos dispostos a cumprir todas as condicionantes ambientais e toda a exigência necessária — diz o governador. — Se for para transformar a BR-319 numa estrada verde ou estrada-parque, se for para colocar portal de monitoramento na entrada e saída da estrada, se for para colocar chip nos carros para controlar a balança de pesagem, a gente não tem nenhum problema com isso.
O paraense Helder Barbalho não tem iniciativa do vulto da BR-319, mas sofre pressão de ambientalistas por obras como a da Avenida Liberdade, estrada que corta 13 km de unidade de conservação para conectar a Alça Viária de Belém à Avenida Perimetral.
Ele afirma que também vê no transporte um dos gargalos de desenvolvimento da Amazônia, e que a atuação dos governos em bloco pode ajudar a prospectar financiamento para avançar.
— Não é fácil conectar uma região com nove estados da federação com as extensões extraordinárias que possuímos e com as realidades próprias que temos — disse. — A partir deste olhar de consórcio, de região, nós estamos construindo o engajamento de todos os estados para crescer em escala a ambição regional das políticas públicas e da missão comum de cuidar da Amazônia.
Diversidade de discursos
O bloco em que os estados amazônicos se reuniram para o novo projeto é o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal. O grupo aplica uma separação, em certa medida, do tipo de discurso direcionado a cada fonte de financiamento que os governadores buscam para os projetos.
Enquanto as obras controversas (mas com apelo popular) encontram respaldo em ministérios da gestão Lula, o “Estratégia Regional Amazônia 2050” menciona intenção de buscar recursos em outras frentes, principalmente bancos multilaterais, como o BID, o Banco Mundial e o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), dos Brics.
O amazonense Lima diz que pretende pleitear para a esfera estadual também um quinhão de recursos que devem chegar ao governo federal pelo recém-criado Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF).
— O estado do Amazonas tem um milhão e meio de quilômetros quadrados, dos quais entre 95% e 97% estão preservados. É a maior extensão de floresta contínua do mundo e o maior estoque de carbono do planeta — afirma. — A gente precisa ser remunerado por isso.


