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sábado, setembro 20, 2025

De autoria do senador Confúcio Moura, PL do endividamento propõe educação financeira na escola

Equilibrar as finanças pessoais tem sido desafiador para a maioria da população brasileira. Com crédito caro, inflação persistente e baixo índice de poupança, quase 80% das famílias enfrentam hoje algum grau de endividamento. Entre a população adulta, 43,1% têm o nome negativado (quando uma dívida não é paga dentro do prazo).

Em agosto de 2025, eram 71,7 milhões de pessoas nesta situação. O número cresceu 9,2% em relação ao mesmo período de 2024, consolidando um novo recorde histórico, de acordo com levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). Na comparação mês a mês, o total de inadimplentes subiu 0,71% de julho para agosto, mostrando que o problema se agrava de forma contínua.

O endividamento alcançou 78,8% das famílias — o maior percentual desde novembro de 2022 — e 30,4% delas estavam com dívidas em atraso. Em 2018, eram 60,3% das famílias endividadas, um aumento de quase 20 pontos percentuais em sete anos, como aponta Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Pode ser uma imagem de texto que diz "Inadimplência no Brasil 71,78 milhões de inadimplentes R$ 4.758 éo o valor médio da dívida .Ατι R$ 307,5 milhões em dívidas $ Fonte: Serasa/SPC /SPC Brasil agênciasenadò"

Pode ser uma imagem de texto que diz "Famílias endividadas no Brasil em percentual 77,9 77,8 77,8 |IL 77,977,877,878,8 78,8 70,9 60,8 60,860,3 60,3 63,6 66,5 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 Fonte: PEIC/CNC agênciasenado"

Para economistas e educadores, a falta de instrução sobre finanças pessoais é um dos fatores que sustentam esse cenário. Através de cheque especial, cartão de crédito ou empréstimo consignado, o descontrole financeiro entrou na vida dos brasileiros. A situação preocupa pelo impacto que as dívidas provocam não apenas nas famílias, mas também na economia do país, como alerta o economista William Baghdassarian, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).

— Se a pessoa está inadimplente, ela não consegue consumir, não consegue financiar um bem durável. Isso prejudica o orçamento doméstico e a economia como um todo. A inadimplência retarda a recuperação econômica e revela uma falha estrutural: a baixa poupança e o descontrole de gastos das famílias — explica, ressaltando que o consumo das famílias é um fator de desenvolvimento econômico, pois impulsiona o crescimento das empresas e a geração de empregos.

Reforço na renda

Um dos motivos para o endividamento dos brasileiros é o uso errado do crédito, alerta o consultor legislativo do Senado Edilson Araújo, que é contador e advogado tributarista. No orçamento de muitas famílias, o crédito deixou de ser ferramenta para conquistar grandes objetivos — como um carro ou a tão sonhada casa própria — e tornou-se uma complementação da renda, sendo usado para pagar contas do dia a dia — como luz, aluguel, celular, mercado.

— O crédito deveria ser um recurso pontual, utilizado para investimentos ou bens duráveis. Quando se torna parte da renda mensal, é sinal de que falta preparo e educação financeira — aponta Araújo.

Além do mau uso, o crédito ainda traz como agravante seu alto custo. O professor Carlos Alberto Ramos, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), pondera que o grau de endividamento das famílias brasileiras poderia ser considerado baixo quando comparado ao Produto Interno Bruto (PIB) do país. O problema é o quanto se paga para pegar dinheiro emprestado, incluindo juros e tarifas.

— No Brasil, pegar dinheiro emprestado custa caro. As taxas de juros cobradas, principalmente em operações de curto prazo como cheque especial e rotativo do cartão de crédito, são absurdamente elevadas. E, na maioria das vezes, o consumidor nem sabe quanto está pagando a mais — diz.

Pode ser uma imagem de mapa e texto que diz "Inadimplência por região do país Norte 6,4 milhões 46% dos adultos Nordeste 19,1milhõe 19,1 milhões 43,7% dos adultos Centro-Oeste 6,1 milhões 46,5% dos adultos Sudeste 30,9 milhões 43,3% dos adultos Sul 9,1 milhões 37,8% dos adultos Fonte: Fonte:SPCBrasil,Agosto/2025 SPC Brasil, Agosto/202 agênciasenado"

Aos 34 anos, Henrique (nome fictício) é um dos brasileiros que compõem a estatística do endividamento. Com o nome negativado e dívidas acumuladas em vários cartões de crédito, ele enfrenta dificuldades para retomar o controle do próprio orçamento. Sem nunca ter aprendido, por exemplo, sobre juros compostos — aplicados nas cobranças de cartão de crédito, especialmente no crédito rotativo e em operações de parcelamento — ele reconhece a situação atual como consequência da falta de educação financeira em sua vida.

— Eu não consigo mais limite em nenhum banco. Tenho dívidas antigas que só crescem com os juros. Quando percebi, já não tinha mais controle. Se eu tivesse tido essa disciplina na escola, talvez tivesse feito escolhas melhores. Agora, estou tentando recomeçar, mas é muito difícil sair do buraco depois que você entra — afirma.

Educação na prática

Em algumas regiões do país, iniciativas tentam mudar essa situação ao incluir educação financeira em seus currículos escolares. A proposta da disciplina em sala de aula é ir além da matemática tradicional e aproximar os estudantes de situações práticas do cotidiano.

Nas aulas, eles aprendem a montar um orçamento pessoal e familiar, compreender como funcionam juros simples e compostos, analisar riscos e vantagens de diferentes tipos de crédito, planejar gastos e poupança e até noções iniciais de investimento. A ideia é oferecer ferramentas para que os jovens consigam organizar o próprio dinheiro, evitar o superendividamento e tomar decisões de consumo mais conscientes.

No município de Corbélia, no Paraná, o Colégio Estadual Duque de Caxias oferece educação financeira desde o início da implementação do Novo Ensino Médio, há quatro anos. Ao longo das três séries, os alunos aprendem conceitos como orçamento, investimentos e planejamento de carreira. Em 2025, a escola desenvolveu uma ação inédita com a Agência do Trabalhador da cidade, simulando entrevistas de emprego, elaboração de currículos e seleção profissional, tudo vinculado aos conteúdos abordados em sala de aula.

A diretora da escola, Nilcea Schwambach, destaca que o projeto conecta o conhecimento à realidade.

— Eles passam a entender na prática o que é receber um salário, pagar contas e planejar gastos. É uma vivência que transforma a relação deles com o dinheiro e com o próprio futuro.

A professora Eliane Devens, que leciona a disciplina, relata que muitos alunos chegam à escola sem nunca terem conversado sobre dinheiro com a família.

— Ensinar educação financeira não é apenas falar de números ou cálculos, mas sim preparar os estudantes para a vida. É dar ferramentas para que eles se tornem adultos mais conscientes.

Com simulações do cotidiano, estudantes aprendem sobre parcelamentos, juros, poupança e investimentos Divulgação/Gov. Paraná

Os alunos reconhecem a diferença que a educação financeira começou a fazer em seu cotidiano. Nathalia Sedlacek, 16 anos, conta que passou a compreender juros, parcelas e os cuidados para evitar dívidas. Miguel Vitalli, 15 anos, diz que já consegue organizar suas finanças pessoais com planilhas e aprendeu como não cair nas armadilhas do cartão de crédito. Para Diana Campos, 18 anos, conhecer os próprios gastos lhe permite montar um plano de vida para realizar seus sonhos.

Arthur Rufatto, 20 anos, ex-aluno da escola, afirma que o componente foi decisivo para mudar sua relação com o dinheiro:

— A educação financeira me ensinou a controlar meus gastos e planejar meu futuro com mais segurança.

Lição urgente

No Senado, os parlamentares discutem tornar a educação financeira obrigatória nas escolas de todo o país. A Comissão de Educação (CE) analisa o PL 5.950/2023, do senador Izalci Lucas (PL-DF), para incluir administração financeira como tema transversal obrigatório da educação básica. O projeto está pronto para apreciação na comissão.

— Precisamos ensinar nossos alunos sobre educação financeira para evitar o que ocorre hoje: a total falta de controle das finanças pessoais, o endividamento e a ausência da cultura da poupança para casos emergenciais — defende Izalci.

O projeto recebeu parecer favorável do relator na CE, Wellington Fagundes (PL-MT), que reforçou a urgência sobre o tema.

— O endividamento das famílias brasileiras é um reflexo direto da falta de orientação desde cedo sobre como lidar com o dinheiro. Defendo com firmeza a inclusão da educação financeira no currículo das escolas públicas — afirma Fagundes, que reuniu em seu relatório a inclusão também de áreas como empreendedorismo, educação moral e cívica e organização social e política do Brasil (OSPB).

Também o PL 1.510/2025, do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), traz a mesma proposta e aguarda despacho para as comissões. Ao apresentar o texto, Nelsinho reforçou que os jovens brasileiros estão se endividando cedo demais, inclusive em decorrência do crescimento das apostas online. Mais de um terço dos apostadores têm entre 16 e 29 anos, como apontou a pesquisa Panorama Político 2024: apostas esportivas, golpes digitais e endividamento, do DataSenado em 2024.

— É preciso fazer uma educação preventiva, desde o início do ensino fundamental, para que as crianças tenham essa noção da responsabilidade, de como proceder em relação à educação financeira e também de como se portar diante da questão dos jogos, que já é uma realidade no nosso meio. Nós não podemos fechar os olhos para isso — disse o senador à Rádio Senado.

Campanhas de conscientização

Na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) tramita o PL 3.329/2025, que destina ao menos 1% do orçamento da publicidade institucional e de utilidade pública federal para campanhas de conscientização da população sobre a importância da educação financeira.

Para o autor do PL, senador Confúcio Moura (MDB-RO), o endividamento e a falta de poupança são problemas crônicos, que afetam a sociedade brasileira há muito tempo. Ele compara a situação aos problemas da falta de uso de cinto de segurança no trânsito e do tabagismo.

“As décadas de 80 e de 90 mudaram drasticamente o comportamento das pessoas em relação a esses padrões, com importantes campanhas, respectivamente, de incentivo ao uso de cinto de segurança nos veículos e de desincentivo ao tabagismo”, explica, ao justificar o projeto.

No Plenário do Senado, em junho, o senador fez o alerta de que a taxa de poupança familiar brasileira é uma das mais baixas do mundo, menos de 15% do PIB, enquanto China e Índia, por exemplo, possuem o dobro disso, segundo dados do Banco Mundial. Em sua avaliação, o que explica essa diferença é o fato de que, nesses países, a educação financeira é parte da cultura da formação dos cidadãos, sendo ensinada desde cedo às crianças.

— O incentivo à poupança não ocorre apenas por meio da doutrina governamental, mas é tido como um valor familiar e nacional. Precisamos mudar esse cenário brasileiro. Vamos introduzir a educação financeira em nossas vidas, como se fez na China, na Índia, e isso servirá de exemplo até para os nossos entes federados que se acostumaram ao endividamento.

Senadores defendem educação financeira nas escolas como caminho para o consumo consciente Geraldo Magela/Agência Senado e Carlos Moura/Agência Senado

Preparando o futuro

O consultor Edilson Araújo avalia que as propostas têm potencial de impacto no médio e longo prazo, ao formar cidadãos mais conscientes financeiramente. Ele reforça, no entanto, que a aprovação da lei não é suficiente. É necessário investir na formação de professores, no material didático adequado e na mobilização das comunidades escolares para que o tema seja incorporado de forma definitiva.

É o que vem fazendo, desde 2022, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG). O estado adotou a educação financeira como disciplina transversal e integrada ao currículo do ensino fundamental e médio na rede pública de ensino. Para preparar os professores, aderiu ao programa Aprender Valor, do Banco Central, que oferece conteúdos alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e formação para gestores e docentes. Também firmou parceria com o Instituto Ânima para oferecer uma especialização em Educação Contemporânea com ênfase em Educação Financeira, voltada a professores de Matemática. Este ano, iniciou uma ação de reforço dos conteúdos de educação financeira entre os beneficiários do programa Pé-de-Meia, estimulando maior autonomia e responsabilidade nas decisões econômicas desses estudantes.

Os resultados já aparecem. A educação financeira está entre as matérias eletivas mais escolhidas pelos alunos, sendo ofertada também na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em 2024, 142 mil estudantes participaram de 5 mil turmas do componente curricular. Em 2025, o número aumentou para 5.860 turmas da disciplina, alcançando cerca de 175 mil estudantes. Além disso, a educação financeira passou a integrar parte da carga horária de Matemática no ensino médio noturno.


Educação financeira é disciplina transversal nas escolas de Minas Gerais Dirceu Aurélio/Imprensa MG

A educação financeira não resolve de imediato os desafios do endividamento no Brasil, mas pode ser parte da solução. Edilson Araújo aconselha que a iniciativa seja entendida como uma política preventiva, capaz de formar crianças e jovens que serão a base das famílias do futuro.

— O que se espera a longo prazo é uma redução do endividamento das famílias brasileiras e uma maior conscientização no consumo.

Fonte: Agência Senado

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