Crescimento de brechós físicos e plataformas de revenda revela uma mudança de valores que une preço, propósito e originalidade na moda.
Por muitos anos, a lógica dominante de consumo foi simples: lançar, comprar, usar pouco, descartar. Em 2025, essa equação começa a perder força entre parcelas crescentes do público, especialmente jovens urbanos conectados a temas de clima, renda e identidade. A moda de segunda mão surge como alternativa ética, econômica e criativa à velocidade da fast fashion, com uma narrativa que valoriza circularidade, repertório pessoal e tempo de uso real das peças. O resultado é um novo imaginário para o vestir, no qual o valor não está apenas no lançamento mais recente, mas na história que cada roupa carrega.
Essa virada não acontece no vazio. Há uma combinação de fatores objetivos e simbólicos. De um lado, inflação e renda comprimida impulsionam a busca por melhor relação custo benefício. De outro, a crítica à obsolescência programada, ao excesso de resíduos têxteis e ao impacto ambiental das cadeias longas ganha escala nas redes sociais. Ao juntar preço acessível, curadoria de estilo e propósito, o second-hand cria um ecossistema que conversa com o presente e projeta futuros menos acelerados para a moda.
Os números não mentem, o mercado de segunda mão em alta
Relatórios de grandes consultorias e plataformas de revenda convergem em um ponto: a economia circular da moda cresce mais rápido do que o varejo tradicional em diversos mercados. Em termos práticos, isso significa mais brechós de bairro profissionalizados, marketplaces com autenticação e consignação, e marcas que passaram a testar programas próprios de recompra. As categorias com maior tração costumam refletir sazonalidade e tendências. No verão, por exemplo, peças leves e de fácil styling ganham o topo das buscas nos marketplaces de moda circular, caso do short curto, que é listado e vendido em alta rotação quando as temperaturas sobem.
Outro sinal da maturidade do segmento é a profissionalização das operações. Plataformas brasileiras e internacionais investem em fotografia padronizada, descrição técnica, filtros de medidas e políticas de qualidade para reduzir devoluções e aumentar confiança. Ao mesmo tempo, brechós físicos adotam curadorias específicas por estilo, década ou ocasião, elevando a percepção de valor e facilitando a descoberta.
Quem são os novos consumidores
O público que puxa a curva de crescimento está entre 18 e 35 anos, mas o recorte geracional não explica tudo. O fator comum é um conjunto de valores que combina economia individual, impacto ambiental e identidade de estilo. Entre os motivadores mais citados aparecem preço competitivo, exclusividade, desejo por peças com história, aversão a looks padronizados e vontade de prolongar o ciclo de vida do vestuário.
A experiência de compra também muda de forma relevante. Em vez de correr atrás da tendência da semana, esses consumidores buscam edições únicas, garimpo, combinações autorais e coleções cápsula montadas a partir de achados. Há uma revalorização do conhecimento de materiais, caimentos e ajustes, o que recoloca alfaiates e costureiras como parte importante da jornada. Comprar de segunda mão passa a ser prática cultural e não apenas transação econômica.
O impacto na cadeia produtiva e no varejo
A ascensão do second-hand pressiona a lógica de coleções que nascem para expirar rapidamente. Se a roupa continua circulando por mais tempo, as marcas precisam repensar qualidade, modelagem e atemporalidade. O resultado prático é a expansão de iniciativas de recommerce, que funcionam como canal oficial de revenda, e de programas de trade in, em que o cliente entrega peças usadas para ganhar crédito em novas compras. Essas iniciativas reduzem barreiras de entrada para quem quer experimentar a circularidade e ajudam as marcas a administrar melhor o fim do ciclo de uso, além de recuperar receita no segundo giro.
No varejo, mudanças operacionais acompanham o discurso. Lojas físicas passam a incluir corners de circularidade, serviços de ajuste e oficinas de reparo. E-commerces integram filtros para peças usadas com curadoria, autenticadores e logística de consignação. Para a cadeia produtiva, esse movimento incentiva o design para durabilidade, a rastreabilidade de materiais e o uso de etiquetas digitais que trazem informações de composição e cuidado. A relação com o consumidor também fica mais dialógica, uma vez que a marca deixa de ser apenas produtora, passando a atuar como mediadora de uma comunidade que compra, usa, cuida e revende.
Do ponto de vista cultural, a roupa usada ganha status social diferente. Look de brechó deixa de ser sinônimo de improviso e passa a representar repertório, sustentabilidade e inteligência de consumo. Nas redes, criadores de conteúdo ensinam a identificar boas fibras, avaliar costuras, encontrar modelagens raras e combinar décadas distintas, o que amplia a alfabetização de moda da audiência e fortalece o ecossistema circular.
A moda de segunda mão não é apenas uma tendência de preço baixo. É um reflexo de mudança de valores, que reposiciona a rapidez como critério e resgata a ideia de que vestir é construir narrativa ao longo do tempo. Para marcas e varejo, adaptar-se significa desenhar produtos duráveis, planejar recommerce, promover serviços de manutenção e apostar em comunicação que explique a jornada completa da peça. Para consumidores, abraçar o circular é transformar cada compra em um gesto de estilo, economia e cuidado com o planeta.
Se o século passado celebrou a velocidade, o presente redescobre o valor do ritmo. Entre o lançamento do dia e o achado perfeito, cresce a vontade de vestir histórias que passem de mão em mão e resistam a mais de uma temporada.


