O bairro da Balsa, na margem esquerda do Madeira, está parcialmente interditado. Uma barreira identifica e orienta condutores para acesso. Na igreja Nossa Senhora da Aparecida, só a capela ainda escapa das águas, que invadiram sem piedade a casa paroquial. Nos arredores, motoristas e passageiros disputavam no sábado (01) as poucas sombras enquanto aguardavam a travessia da balsa.
A situação é às vezes de desespero. “Tô aqui desde as sete da manhã”, disse resignada Valdivia Souza. Moradora da Comunidade Santa Helena, ela conta que veio à cidade para fazer compras. No quintal planta macaxeira e banana e há dois dias fora de casa esperava encontrar tudo como deixou, com a água ainda distante de casa. A S-10, dirigida ora pelo marido, Chagas, ora pela filha Ana Lúcia, estava carregada com alimentos e combustível para a manutenção dos motores. “Lá não tem energia e o jeito é vir aqui buscar”. Segundo ela, o preço foi de espantar, por causa do aumento, mas se deixar pra comprar nas redondezas da comunidade ai é que vai estar caro mesmo.
A previsão da família era atravessar a balsa por volta das 14 horas, por causa do acidente do caminhão britadeira que tombara em um trecho da BR-319, já próximo à ponte. Mas pra sorte deles, logo depois do meio-dia o tráfego de veículos foi liberado.
O teor da conversa dos passageiros da balsa é só um: a chuva que não passa. E olha que ela veio e pegou todo mundo de surpresa enquanto esperavam que a lotação se completasse. Cada um se escondeu como pôde, se espremendo na área coberta. Mas a nuvem passou e levou a chuva para outro lugar. Na saída da balsa uma grande correria, todo mundo querendo chegar logo. Leida da Silva, carregada de bolsas, pode se considerar uma privilegiada. Disse que o marido a levou até próximo à balsa. “Ele foi o mais perto que pôde”. Do outro lado um outro veículo a esperava para chegar ao destino do final de semana, o sítio. “Ainda bem que agente tem dois carros, com essa situação um fica na cidade e outro no sítio”. Moradora do Centro de Porto Velho, ela contou que está muito apreensiva com a enchente, estou com medo que a água invada o meu sítio.
Desabrigada
Mas se a Balsa é só um ponto de passagem para alguns, como dona Leide, para outros a situação é bem pior. Francisca Almeida da Silva mora na Balsa e ao falar da casa coberta pelas águas se emociona e chora. “Ficou de fora só a cumeeira”, desabafou. Desabrigada, a aposentada foi a primeira a ser levada para a escola Ermelinda Brasil, na margem direita do Madeira. Ela cuida de onze netos, uma delas de 16 anos, está grávida de sete meses. “Ainda bem que consegui ficar aqui”. Na escola, cada família cadastrada pela Defesa Civil, recebe uma cesta básica. A previsão é de que o alimento seja entregue a cada 20 dias, caso a situação não se normalize. Os novos moradores da escola levaram o que puderam para o local, cama, fogão, geladeira, tevê. O que está incomodando, segundo ela, é que a rede de esgoto da escola, que já não estava boa, não suportou a pressão das águas e estourou e o mau cheiro está empesteando o ambiente.
Enquanto a avó se preocupa com a saúde, os netos se distraem como podem. Na quadra de esportes eles preparam o ambiente para as brincadeiras. Com vassoura e rodo nas mãos dão uma geral no ambiente. Crianças e adolescentes aproveitam a vida em coletividade para cultivar novas amizades. Os menores querem mesmo é brincar na beira do rio. O local está cheio de mandi, uma espécie de peixe miúdo fácil de ser pescado com linhada.
Prejuízo
Dona Francisca ainda não tem ideia do que vai acontecer com ela e a família. “Disse que ainda está muito nervosa e não tem como avaliar o futuro. Os danos da enchente foram grandes, “mas ninguém morreu”, diz conformada.
“Pra onde se olha só se vê prejuízo”, constatou o comerciante Francisco Barbosa Filho, mais conhecido como Ceará, proprietário de uma lanchonete nas imediações da balsa, na margem direita. Ele se queixa do movimento que caiu no comércio local, devido a redução do movimento. “Só se arrisca a passar aqui mesmo quem precisa”. A incerteza dos transeuntes é que a qualquer momento a balsa pode paralisar suas atividades. “Na semana passada foi assim, ninguém esperava e a balsa parou por quatro dias, parece que é bom pra gente aqui, mas não, é melhor o tráfego funcionando normalmente”.
“As casas não podem ser abandonas de qualquer maneira porque corre-se o risco de perder o que ficar”, salientou a servidora Maria Vera. A água está a poucos metros de sua casa, mas ela resiste bravamente. “A Defesa Civil já mandou agente sair, nossa mudança foi lá para o conjunto novo, mas tem ainda a central de ar condicionado, se deixar aqui desaparece, por isso estamos dividindo um pouco da família lá na escola e outro pouco ainda na casa”. Ela assegurou que assim que conseguir liberar a central de ar vai ficar na escola Ermelinda Brasil, até as casas do conjunto serem liberadas pela construtora.
Texto: Alice Thomaz
Fotos:Marcos Freire