Por: Lucas Ferrante
Na última semana de agosto, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) voltou a contratar, por dispensa de licitação, a empresa Etam Ltda. para obras de manutenção na rodovia BR-319. A empresa é ligada ao governador do Acre, Gladson Cameli, por meio de seu pai, Eládio Messias Cameli, investigado na ‘Operação Ptolomeu’, que apura um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos. Esta é a segunda contratação consecutiva da Etam Ltda. para serviços na BR-319. A primeira ocorreu em novembro de 2024, no valor de R$ 27 milhões. A mais recente, formalizada em agosto de 2025, soma R$ 2,25 milhões. Ambos os contratos foram celebrados sem processo licitatório.
Além da ligação da empresa com investigados, pesa contra o governador Gladson Cameli o fato de ele ser réu no Superior Tribunal de Justiça (STJ), acusado de fraude em licitação, desvio de recursos e participação em organização criminosa. A reincidência nas contratações, mesmo diante do histórico de investigações criminais, reacende alertas sobre a falta de transparência e os critérios adotados na gestão de contratos vinculados à BR-319. O caso reforça a urgência de uma manifestação formal por parte do Tribunal de Contas da União (TCU), que pode avaliar a legalidade e a moralidade das contratações públicas associadas à rodovia.
Na última semana, a mídia tradicional deu ampla cobertura à recente decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que manteve válida a Licença Prévia (LP) concedida pelo Ibama em 2022 para o trecho do meio da BR-319, entre Manaus (AM) e Porto Velho (RO). Apesar do destaque midiático, é essencial compreender que a decisão judicial de suspensão da LP permanece vigente, tendo precedência e força normativa sobre qualquer parecer ou posicionamento administrativo.
Suspensão judicial permanece em vigor
Desde julho de 2024, a Justiça Federal do Amazonas determinou a suspensão da Licença Prévia (LP) concedida ao asfaltamento do ‘Trecho do Meio’ da BR-319, atendendo a um pedido do Observatório do Clima, que alegou a ausência de análises técnicas adequadas, riscos graves de desmatamento e ocupação ilegal de terras, além de uma falha no licenciamento ambiental.
Posteriormente, em julho de 2025, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reafirmou essa suspensão ao atender a recurso do Observatório do Clima. A corte citou inconsistências legais, técnicas e ambientais no processo de licenciamento conduzido pelo Ibama durante o governo Bolsonaro.
O papel do Observatório do Clima e técnico-científico no debate
A ação do Observatório do Clima foi decisiva para chamar a atenção às fragilidades do processo de licenciamento. Em seu pedido judicial, argumentou que a LP desconsiderou pareceres técnicos do próprio Ibama, que, já em dezembro de 2021, indicavam um “cenário potencial de alta ocorrência de desmatamento ilegal e ocupação ilegal de terras ao longo do trecho da BR-319”. Esse posicionamento técnico-científico, sustentado por evidências concretas, conferiu legitimidade ao pleito e foi determinante para a decisão judicial. Ao se apoiar nesses fundamentos, o Observatório evidenciou que a política não pode se sobrepor a informações técnicas nem à normatização ambiental vigente.
A coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, comentou a decisão do TCU: “A decisão do TCU não interfere em nada na decisão judicial que suspendeu a Licença Prévia da pavimentação do ‘Trecho do Meio’ da BR-319. Os técnicos do TCU mostraram problemas na licença, mas o ministro relator, apesar de não confirmar a nulidade da LP, fez referência expressa ao litígio judicial, esfera que prevalecerá. Não há razão para dar destaque a essa decisão, na minha opinião.”
‘Plano BR-319’: uma reavaliação com foco socioambiental
Em julho deste ano, o governo federal decidiu reavaliar o projeto de asfaltamento do trecho central da BR-319, condicionando qualquer avanço a estudos técnicos rigorosos que comprovem sua viabilidade socioambiental. A medida surge diante de evidências científicas consolidadas que demonstram como a obra estimula o desmatamento e a grilagem, conforme estudos publicados nos periódicos Land Use Policy e Environmental Conservation, e sinaliza uma mudança de postura: em vez de pressa política, será exigida análise científica, evitando os mesmos vícios na concessão da Licença Prévia (LP) da rodovia emitida no último ano do governo Bolsonaro. Em síntese, trata-se de estabelecer que a rodovia só avançará se houver base técnica sólida, como destacado pela REVISTA CENARIUM.
A mídia tradicional de Manaus deu amplo destaque à recente decisão administrativa do Tribunal de Contas da União (TCU), que manteve a Licença Prévia (LP) da BR-319 em vigor sob o argumento de que não há nulidade evidente. Essa posição foi utilizada como tentativa de relativizar a decisão judicial, esta, sim, com força normativa, que suspendeu a licença com base em evidências de graves riscos ambientais e na ausência de embasamento técnico-científico adequado.
Mais do que um embate institucional, o que está em jogo é a integridade do interflúvio Purus–Madeira, uma das últimas grandes extensões contínuas de floresta intacta da Amazônia Central. Mesmo sem a pavimentação completa, as obras de “manutenção” em curso já provocam impactos significativos: abertura de ramais ilegais, aumento de desmatamento, intensificação de queimadas e ameaças diretas aos modos de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais. A manutenção, portanto, não pode ser tratada como algo neutro ou tecnicamente inofensivo, ela deve ser questionada com o mesmo rigor jurídico e científico aplicado ao asfaltamento.
Além dos impactos ecológicos, pesam indícios de irregularidades graves na execução dessas obras. Como demonstrado em estudos publicados no periódico Land Use Policy, a governança da BR-319 apresenta falhas estruturais, favorecendo a atuação de organizações criminosas e grupos políticos locais envolvidos em corrupção. A reincidência de contratos firmados com empresas ligadas a investigados por lavagem de dinheiro e fraude em licitação, como no caso da Etam Ltda., cuja ligação com o governador do Acre e a ‘Operação Ptolomeu’ é notória, agrava o cenário de fragilidade institucional.
Diante desse contexto, é imprescindível que os órgãos de controle, especialmente o TCU e o Ministério Público Federal, avancem com investigações mais rigorosas. A continuidade das obras, mesmo sob o rótulo de “manutenção”, consolida um ciclo de degradação ambiental, captura institucional e favorecimento de interesses ilícitos que ameaça não apenas a floresta amazônica, mas também o Estado de Direito.