Somos mais de 600 trabalhadores rurais e urbanos, ribeirinhos, agricultores, pescadores, extrativistas, funcionários públicos, comerciantes, representantes e lideranças de comunidades do Alto ao Baixo Madeira como São Carlos do Jamari, Brasileira, Agrovila Nova Aliança, Cujubim, Cujubinzinho, Igarapé do Tucunaré (Floresta Nacional do Jacundá), Ilha do Monte Belo, Itacoã, Reserva Extrativista Lago do Cuniã, Curicacas, Pombal, Bom Será, Pau d’Arco, Nazaré, Jaci Paraná, Linha do IBAMA (Santa Inês), loteamento do Trilho, Parque dos Buritis, Reassentamento Morrinhos, Reassentamento Santa Rita, Abunã e Projeto de Assentamento Joana D’Arc, bairros da cidade Porto Velho e da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e nos reunimos na Assembleia Popular dos Atingidos pelas barragens e enchentes no rio Madeira: por terra, casa e trabalho, organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no dia 17 de abril de 2014, em Porto Velho, no Mercado Cultural, de frente ao Palácio do Governo do Estado de Rondônia.
Queremos apresentar a todos os acúmulos deste encontro de avaliação, organização e planejamento das pautas e lutas dos atingidos, que se levantam contra as recentes violações de direitos humanos a partir da cheia histórica do rio Madeira, mas também durante todo o violento processo de implementação dos projetos de Aproveitamentos Hidroelétricos de Santo Antônio e Jirau. Temos propostas e queremos ter participação no projeto de reconstrução de nossas vidas, que os responsáveis pelos empreendimentos devem garantir.
Responsabilizamos as empresas acionistas dos consórcios Energia Sustentável do Brasil, responsável pela Usina de Jirau (GDF SUEZ-Tractebel com 40%, Mitsui com 20% e o grupo Eletrobrás com 40%, via Eletrosul e Chesf, cada uma com 20%), e Santo Antônio Energia, responsável pela Usina de Santo Antônio (Furnas com 39%, Odebrecht com 18,6%, Andrade Gutierrez com 12,4%, Cemig com 10%; e Caixa FIP Amazônia Energia com 20%) e o Estado brasileiro. Ao trazerem os empreendimentos para Rondônia, o Estado e as empresas assumiram os compromissos de alavancar o desenvolvimento local e regional, geração de emprego e renda, remanejamento das famílias atingidas em condições iguais ou melhores às que viviam antes, energia barata e de qualidade para todos e até mesmo que a hidrelétrica a fio d’água não formaria um “lago” com o reservatório.
Com a cheia, são mais de 5.000 famílias atingidas, mais de 100 mil pessoas sem acesso a água potável, 12 bairros de Porto Velho e mais de 50 comunidades ao longo do rio Madeira, incluindo os municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim. Estas famílias atingidas estão sofrendo com a perda de suas terras, moradias, produção, utensílios de trabalho, equipamentos e demais pertences. A maior parte das famílias se deslocou para casas de amigos e parentes, e mesmo aqueles que foram para abrigos foram assistidos principalmente com a solidariedade da população, do que pelos governos. Estes atingidos têm passado dificuldades em serem reconhecidos como público afetado e de receberem a devida assistência como alimentação, água potável, saúde e educação, transporte e local adequado de habitação.
As cheias trazem muitos estragos e também retomam das águas barrentas do Madeira uma série de alertas, de denúncias e lutas reprimidas, questões sobre a hidrossedimentologia do rio, sobre a ictiofauna, sobre os modos de vida dos povos indígenas e tradicionais, sobre a necessidade de realizar estudos sérios sobre as consequências geradas por grandes empreendimentos, sobre as sistemáticas e planejadas perversidades das empresas que violam os direitos humanos dos atingidos.
Os reservatórios das hidrelétricas foram subdimensionados, assim como suas curvas de remanso, as barragens estão acumulando grande quantidade de sedimentos, o que leva as águas a alagarem uma área maior. Além disso, houve super acumulação de água para o aumento da taxa de lucro das empresas, colocando de forma consentida a sociedade em risco e desrespeitando as normas de operação. As usinas vêm faturando alto com a energia gerada, somente o banco BTG Pactual, em janeiro e fevereiro de 2014, teve um lucro de R$ 350 milhões, devido à especulação da energia produzida em Santo Antônio, que vem sendo vendida por R$ 822,00/1.000 kWh, dez vezes mais alto do que os preços definidos no leilão. Essa conta será transferida para o povo brasileiro com futuros aumentos nas tarifas de luz.
As hidrelétricas potencializaram os efeitos da cheia, somando aos inúmeros problemas que vinham sendo causados, como:
Violação do direito à informação e à participação;
Violação do direito à liberdade de reunião, associação e expressão;
Violação do direito ao trabalho e a um padrão digno de vida;
Violação do direito à moradia adequada;
Violação do direito à educação;
Violação do direito a um ambiente saudável e à saúde;
Violação do direito à plena reparação das perdas;
Violação do direito à justa negociação, tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados;
Violação do direito de ir e vir;
Violação do direito às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens materiais e imateriais;
Violação do direito dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais;
Violação do direito de grupos vulneráveis à proteção especial;
Violação do direito à reparação por perdas passadas;
Violação do direito de proteção à família e aos laços de solidariedade social ou comunitária;
Super exploração do trabalho dos operários nas obras, desrespeito à legislação trabalhista;
Não cumprimento das condicionantes estabelecidas no licenciamento ambiental;
Subdimensionamento da migração provocada pelos empreendimentos gerando inchaço populacional, agravando o acesso a educação, saúde, saneamento, moradia, incrementando os níveis de violência, transito e inflação dos preços de alimentos e imóveis.
Modificação do sistema de cheias e vazantes do rio, prejudicando a agricultura na várzea;
Elevação do lençol freático, contaminando fontes de água para consumo.
Encharcamento de solos, tornando áreas inagricultáveis, prejudicando os camponeses;
Supressão de territórios e recursos naturais, desestruturando atividades pesqueiras e agroextrativistas;
Reassentamentos precários, sem garantia de direitos básicos ou recomposição da capacidade de trabalho e geração de renda;
Estudos de Impacto Ambiental insuficientes e incorretos, que não apontaram quem seriam os atingidos.
Desbarrancamentos na margem do rio em diferentes pontos, atingindo a moradia de muitas famílias.
Proliferação de mosquitos vetores de doenças.
As Usinas de Santo Antônio e Jirau alcançaram os investimentos de 16 bilhões e 17,3 bilhões. A maior parte do recurso injetado é oriunda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ao invés de trazerem benefícios, tornaram muito piores as condições de vida das populações locais, chegando a muitas situações de gravíssima vulnerabilidade.
Apesar do financiamento público, dos maus tratos aos operários, do desrespeito aos povos atingidos e ao meio ambiente a energia gerada como mercadoria segue sendo utilizada segundo a lógica instalada no setor elétrico desde o regime militar. A usina Jirau, por exemplo, já tem 73% da geração de eletricidade contratada por meio de contratos de 30 anos com distribuidoras de energia e o restante com os acionistas existentes. A GDF Suez é dona de 60% da energia ainda não comercializada de Jirau no mercado livre. A energia de Santo Antônio e Jirau fazem parte de um projeto que não atende a interesses populares. Tratam-se de obras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) que fazem parte do projeto IIRSA (Iniciativa de Integração Regional Sul Americana) do Banco Mundial (BM) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD), plano voltado para a acumulação de lucro de grandes empresas transnacionais.
Apoiamos a liminar da Justiça Federal que determina a pedido dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, das Defensorias Estadual e da União e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que sejam reelaborados os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto no Meio Ambiente (RIMA) de Santo Antônio e Jirau, e que os peritos sejam indicados pelo Ministério Público, e não pelos próprios empreendedores. No entanto, reivindicamos que as comunidades atingidas à jusante do barramento de Santo Antônio, excluídas no deferimento, também sejam reconhecidas como atingidas, obrigando os consórcios de Jirau e Santo Antônio garantirem toda a assistência necessária às famílias destas localidades.
Que o desdobramento da Ação Civil Pública impetrada contra Santo Antônio, Jirau e IBAMA no Madeira repercuta em outros projetos nos rios Xingu, Tapajós, Teles Pires, Machado e Amazônia afora. Pois antes de qualquer cheia atípica já havia o deslocamento compulsório de famílias camponesas para áreas improdutivas, retirando-lhes as condições de reprodução material e simbólica, a dissolução da fonte de sustento dos pescadores, casas desmoronando junto ao barranco do rio, entre outros casos negados, que não podem se repetir.
Não nos enganamos. Em Rondônia, após mais de 30 anos ainda seguem mais de mil famílias sem terra atingidas pela usina hidrelétrica de Samuel, no rio Jamari. Muitas famílias permanecem sem energia elétrica ou energia de qualidade nestas regiões. Reunidos com estes companheiros de Triunfo, Candeias, e Itapuã do Oeste, memória viva da dívida social de Samuel, afirmamos com firmeza que só a luta faz valer nossos direitos.
Pautas emergenciais:
Repudiamos o plano do chamado “Abrigo Único”, proposta impositiva e desumana de alojamento das famílias desabrigadas em barracas de lona insalubres, sob condições de altas temperaturas e reduzida ventilação, entre outros problemas já apontados pelo MAB, CREA, Defensoria Pública do Estado, OAB e Ministério Público Federal.
Exigimos que as famílias alojadas em casas de parentes e demais abrigos emergenciais na cidade e nos distritos (escolas, igrejas, nas terras altas remanescentes no Alto e Baixo Madeira) sejam abrigadas em prédios públicos e privados que estão desabitados ou em hotéis e pousadas, ou também um auxílio aluguel justo, o mais rápido possível para garantir o início das aulas, até que suas comunidades e moradias sejam totalmente reconstruídas. Para as famílias, deverá continuar a plena assistência com água potável e alimentação, alimentação, o transporte de seus pertences e o transporte escolar dos seus filhos.
Pautas estruturais:
Que os consórcios Energia Sustentável do Brasil (ESBR) e Santo Antônio Energia (SAE), concessionárias das Usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, respectivamente, o Estado, através dos governos federal, estadual e municipal garantam:
1) Remanejamento em terra firme dos atingidos e comunidades afetadas, com: lotes e casas adequados a cada perfil de família atingida, água tratada e encanada, energia, pontes e estradas;
2) Indenização pela perda da produção, dos equipamentos domésticos, moradias, móveis e outros pertences;
3) Construção, reparo ou remanejamento das obras públicas e comunitárias e do patrimônio histórico-cultural afetados pelas águas em lugares seguros;
4) Verba de manutenção mensal para todas as famílias atingidas de R$ 1.000,00 por pelo menos 12 meses, até as famílias se restabelecerem;
5) Cesta de alimento mensal para todas as famílias atingidas;
6) Condições dignas de alojamentos durante o período desalojado; moradias adequadas, casa de alvenaria, água tratada e encanada, energia, pontes e estradas;
7) Infraestruturas coletivas nestes locais: escolas, creche integral, posto de saúde, centro comunitário e área de lazer;
8) Remanejamento de todas as famílias atingidas pelos reservatórios das barragens de Jirau e Santo Antônio;
9) Perdão das dívidas dos pescadores e agricultores frente aos bancos financiadores e abertura de um novo crédito de fomento às atividades produtivas.
10) Viabilização de um Programa de Desenvolvimento com total participação da população atingida, de recuperação e desenvolvimento com aporte de dinheiro em boas condições, com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Movimento dos Atingidos por Barragens.
Água e Energia com Soberania, Distribuição da Riqueza e Controle Popular!