No dia 10 de junho de 2013 a Polícia Civil de Rondônia anunciou a prisão do sargento da reserva da Polícia Militar Evanísio Oziel Leite, apontado na ocasião como “suspeito pelo estupro e assassinato da jovem estudante Naiara Karine Costa Freitas, de 18 anos, ocorrido no dia 24 de janeiro, e violentar mais duas jovens em 2011) e uma menor (ocorrido em 2012)”. Ainda segundo a polícia, o “modus operandi” de Oziel indicava sua participação no crime, que chocou Rondônia. Nos casos anteriores de estupro, ele havia tratado as vítimas da mesma forma, exceto pelo fato de não tê-las matado. Dias depois, a polícia civil afirma que “o sargento não teve participação no Caso Naiara” e conduz as investigações para outros rumos. Oziel continua preso pelos estupros anteriores e a polícia surge então com um novo suspeito, trata-se de Marcos Antônio Chaves, reconhecido graças a sua tatuagem, que aparece durante uma filmagem feita com o celular da vítima no dia do crime. E Marcos tem muito o que contar. E contou.
A coisa embolou, mas também não foi explicada. Em depoimento, dado durante seu julgamento dias atrás, Marcos Antônio Chaves afirmou ter “recebido R$ 1.400 para ‘dar um susto’ em Naiara Karine”. A coisa teria fugido do controle e Richardson Bruno Mamede, outro acusado pelo crime, teria golpeado a moça por mais de 20 vezes com uma faca, isso após ela ter sido violentada por Marcos, Richardson, Francisco da Silva Plácido, Roniclei Ferreira dos Santos e Wagner Strogulski de Souza (que está foragido). Em seu depoimento para a justiça, Marcos incluiu um instrutor de auto-escola, que também é policial militar identificado como “sargento Santana”.
Uma pergunta ainda não foi feita, ou se foi, não teve resposta, como cinco elementos resolvem, do nada, estuprar e matar uma menina de 18 anos, sendo que eles cinco mal se conheciam. Em todos os seus depoimentos, tanto na delegacia quanto na justiça, Marcos afirma que se tratava de “um susto”, mas a grande pergunta é, quem pagou por esse susto? A quem interessava a morte de Naiara Karine, uma moça recém-saída da adolescência que até onde se sabe, não tinha inimigos. Que esse caso não pode estar encerrado. Até agora a polícia prendeu parte dos executores (Wagner Strogulski continua foragido), mas não se tem notícia nenhuma sobre o mandante do “susto” que terminou em estupro e homicídio. Uma série de boatos e acusações sem materialidade ganharam força no fim do ano passado com a divulgação do depoimento de Marcos Antônio Chaves, onde ele afirma ter visto uma ligação em nome de “Bruno Cassol”, enquanto estuprava Naiara.
Virou rastilho de pólvora e uma série de ilações foram feitas, envolvendo Jaqueline Cassol, irmã do senador Ivo Cassol. Ele reagiu rapidamente e desde então vem exigindo uma solução para o caso. No último fim de semana, em entrevista a uma rádio em Pimenta Bueno, Cassol voltou ao assunto e afirmou que “foi uma armação de adversários para tirar sua irmã da disputa eleitoral”. O senador confirmou seu apoio a irmã e ao genro, “Bruno Cassol”, que na verdade se chama Bruno Ferreira.
Marcelo Bessa, ex-secretário de Defesa andou em dezenas de veículos de comunicação pelo Estado e afirmou categoricamente que “a família Cassol nada tem a ver com o caso”, essa afirmação ele fez inclusive ao próprio senador Ivo Cassol em Brasília. Bessa afirmou que “as acusações eram ilações de parte da imprensa irresponsável”. Pois bem, já que viramos essa página, a polícia tem por obrigação apresentar um mandante. Não é possível que um crime com tantos protagonistas continue sem solução esse tempo todo. Tudo bem que por essas bandas não conseguimos desvendar nem quem matou um senador, mas um caso dessa natureza não pode ficar impune.
Sabe-se com toda a certeza que todos os envolvidos, sejam executores, familiares e amigos de Naiara estão assustados. Eles falam em ameaças, não falam nada claramente e a polícia continua perdida no assunto. Nos resta aguardar o desfecho desse dramático caso.
Homenagem
Débora Stevaux, amiga de Naiara Karine escreveu um intrigante texto em homenagem a amiga morta. Adaptando livremente um texto de Clarice Lispector de 1962, ela narra os sentimentos de Naiara ao levar cada uma das 22 facadas e encerra assim o texto, “a vigésima-segunda me assassina, Porque eu sou a outra, porque eu quero ser a outra”. Débora explica que “ser a outra”, no caso, é se colocar no lugar de Naiara.
QUERO COMPARTILHAR ESTA HOMENAGEM NESTE DIA TAO ESPECIAL QUE ESTE DIA DA MULHER PARABENS AS MULHERES EM NOME DE NAIARA KARINE QUE HOJE ESTA SO NOS CUIDANDO LA DE CIMA COMO UM ANJO QUE NAO TEVE OPORTUNIDADE REALIZAR SEU SONHO DE SER JORNALISTA QUE DESCANSE EM PAZ FILHA TE AMO. OBS.SE PUDEREM LEIAM ATE O FIM E LINDO OBRIGADO DEBORA POR ESTAS PALAVRAS.
Sobre o dia oito de março
Todo santo dia algo reaviva a minha memória e me pressiona para que o meu silêncio seja quebrado constantemente. É sempre muito inusitado quando você me toca diariamente, seja por uma música ou por uma atitude machista que eu tenha presenciado, por uma notícia de estupro ou por uma foto sua; mas aí eu volto a reescrever o texto que tinha feito em sua homenagem e ele permanece sempre assim: mutável e inacabado. Depois disso é só silêncio, como se eu fosse obrigada a engolir todas as palavras que um dia eu pensei em te dedicar em um engasgo seco. Porque todas as construções verbais são incapazes de traduzir tamanha revolta e saudade que eu sinto por você.
Há um tempo eu visitei um blog que compilava, de maneira bem pouco minuciosa, os nomes das vítimas fatais da violência contra a mulher. Angustiada, eu prometi pra mim mesma que você não seria somente mais um daqueles nomes, ou só mais uma notícia que depois de horas estaria ultrapassada e esquecida pelas urls e pelos poucos jornais que noticiaram tudo o que você passou. Também não poderia fazer menção a estatísticas de violência sexual e de feminicídio, pois a tua morte não merece ser transformada em números frívolos, como se fosse só mais uma.
A sua semelhança comigo fez com que eu me colocasse no seu lugar diversas vezes. E se eu tivesse sido você? Quantos gritos eu daria, por quanto eu clamaria por socorro? Quais teriam sido os meus planos de fuga? Eu teria pensado que, em algum momento, eu morreria dessa maneira? E por que eu morri? Por que fizeram isso comigo? Eu teria sequer imaginado que um ano depois da minha morte, parte dos responsáveis ainda estaria em liberdade? Quantos sonhos eu deixei de realizar?
Em 1962, Clarice publica uma crônica na revista “Senhor” sobre um bandido chamado Mineirinho, que foi assassinado com treze tiros na madrugada de primeiro de maio daquele mesmo ano. Diferenças à parte, adaptando o final dessa crônica, encerro o meu desabafo: “Mas há alguma coisa que, se na primeira e na segunda facadas transformam meu choro desesperado em grito; na terceira aperta o nó da minha garganta; na quarta e quinta me deixam a carne e a boca trêmula; na sexta e na sétima palpitam o meu coração de horror; na oitava e na nona me desassossegam a alma; na décima e décima primeira me transportam para o local do crime; na décima segunda corrompe os meus vasos sanguíneos e me emplaca a dor constante; na décima terceira recria no meu corpo a violência sexual; na décima quarta invade a minha boca de sangue e de todos os clamores existentes; na décima quinta me instala um nojo inerente ao ser humano; na décima sexta me abordam como abordaram a Nai; a décima sétima destrói a esperança de me salvar; na décima oitava me obrigam à tirar a roupa; na décima nona me desvestem de toda humanidade; na vigésima acabam por destruir minha blusa listrada bem como qualquer presença de Deus naquela hora; na vigésima primeira tenta sufocar, sem sucesso, um grito; o grito da Nai, o grito de todas as mulheres que morreram pelo direito de escolha, pelo direito à vida. A vigésima-segunda me assassina, Porque eu sou a outra, porque eu quero ser a outra.”
(Texto feito em homenagem à minha amiga Naiara Karine da Costa Freitas, de 18 anos)
Por Alan Alex
Painel Político