Para Jorge Molina, do Instituto de Hidráulica e Hidrologia (IHH), “há fortes suspeitas de que as operações das usinas pioraram as coisas”
“Há fortes suspeitas de que as operações das usinas pioraram as coisas”, afirma o hidrólogo boliviano Jorge Molina. Molina é pesquisador do Instituto de Hidráulica e Hidrología (IHH) da Universidad Mayor de San Andrés (UMSA), há 27 anos, tendo sido por três vezes diretor do instituto. Além de ter realizado estudos sobre as usinas do Complexo Madeira, ele também trabalhou em estudos e análises das três represas do rio Bermejo (Bolivia-Argentina) e da represa Bala no rio Beni.
Segundo ele, “o desrespeito aos níveis d’água Santo Antonio sugere que o reservatorio esteve armazenando água até que em um certo momento tiveram que ser obrigados a libera-la”. As análises na Bolívia indicam que o rio beni, um dos formadores do Madeira, está diminuindo a vzão. Porém, o Mamoré, outro formado, está aumentando. Isso indica que a cheia vai continuar. E a situação pode piorar. Abaixo, seus comentários sobre as questões enviadas por e-mail.
Por Jorge Molina
Estamos acompanhando a cheia e as suas consequencias, e faremos em breve uma análise com outros cientistas que trabalham no programa HYBAM (http://www.ore-hybam.org/), que esperamos publicar em forma de notas técnicas. Eu posso adiantar o seguinte, a partir de nossas análises: a cheia é histórica, o que quer dizer que é a maior que se registrou desde que começaram a funcionár a estácão hidrométrica de Porto Velho e outras estações na Amazonia Boliviana. Essa é uma nota minha em conjunto com colegas do HYBAM:
“Pelos dados quase em tempo real da página web da ANA, é possível ver que a agua provém antes de tudo dos rios Beni–Madre de Dios. Em Guayaramerin ainda não chegou o aumento anual do rio Mamoré. A partir destes dados é possível deduzir que a vazão na Cachuela Esperanza deve ter passado os 30000 m3/s, superando em muito o registro histórico nessa estação. Na Bolívia a situação é desastrosa: o rio Beni inundou Rurrenabaque, aonde se registrou a cheia histórica. Além disso, um desmoronamento em uma serra perto matou 10 pessoas. Em Trinidad, o nível chegou a 12 cm de exceder os diques que foram elevados faz apenas três anos. Há mais de 250000 pessoas afetadas na cordillera y la llanura y así…”
“Pelo dados SENAMHI, pode-se observar que a maior parte da bacia amazónica boliviana as chuvas foram excepcionalmente altas em dezembro e janeiro, com valores acima do dobro dos normais em muitas estações. No entanto, em algumas estações, como Riberalta e Guayaramerin, choveu menos do que o normal.”
Não temos ainda os dados e uma análise para afirmar que a operação das usinas pioraram as coisas, mas há fortes suspeitas de que isso ocorreu, ao menos, no Brasil. O desrespeito aos níveis d’água Santo Antonio sugere que o reservatorio esteve armazenando água até que em um certo momento tiveram que ser obrigados a libera-la, com a consequencia de que em algum momento a vazão em Porto Velho foi maior que se não existissem as barragens. Além disso, os níveis d’água mais altos nos dois reservatórios significa que se inundou uma área maior do que a prevista nos estudos. Isso deveria ser objeto de uma auditoria técnica no Brasil. Esperamos poder obter dados para estudar no HYBAM, mas tenho dúvidas, pois Jirau e Santo Antonio estão em mãos de consórcios privados.
Outro fator que pode incrementar a cheia é o desmatamento da bacia, mas não há dados para avaliar esse efeito. Pessoalmente, eu acho que é pequeno.
Os dados da ANA mostram que a cheia continua. O alarme é tão grande que a ANA pediu dados hidrológicos para a Bolivia na tentativa de prever se vai continuar a aumentar ou começar a reduzir. A partir dos dados com que trabalhamos, posso dizer que a vazão do rio Beni está diminuindo, mas do rio Mamoré em Guajaramirim está aumentando. Isso explica em parte porque a cheia em Porto Velho continua.
Blog do Felipe Milanez/Carta Capital