Eu vivi o regime militar sem entender o que era de fato

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Por Roberto Kuppê (*)

Morei em São José dos Campos (SP), de 1978 a 1980. Estudei na Escola Técnica Professor Everardo Passos (ETEP), cuja maioria dos professores era aluno ou professor também no ITA. Fui para a ETEP porque passei num concurso público entre os alunos do ensino fundamental de Porto Velho (RO). Não tinha ideia do que era a ETEP. Muito menos, São José dos Campos.

Durante minha estada em SJC, ouvi falar em ditadura militar, en passant, quando uma moça, correndo, entrou no prédio de nossa república, que ficava na avenida Ademar de Barros, proximo ao Parque Santos Dumont, pedindo socorro, falando em um tal de DOI-CODI. Embora estivesse vivendo num cidade importante industrialmente falando, sedes da GM, Embraer e do ITA, nós alunos da ETEP, não tínhamos envolvimento com movimentos estudantis e, logo, não participavamos de nenhum protesto. Não era nossa praia. Nem em Porto Velho, durante meus estudos no Colégio Dom Bosco (1973-1977) se falava em Ditadura Militar.

Mas, aquela moça pedindo socorro me despertou. O que é esse DOI-CODI do qual ela tinha tanto medo e corria para não ser presa? Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) foi um órgão subordinado ao Exército, de inteligência e repressão do governo brasileiro durante a ditadura que se seguiu ao golpe militar de 1964.

Foi criado pelo então comandante do I Exército, general Siseno Ramos Sarmento, para combater “inimigos internos” que, supostamente, ameaçariam a segurança nacional. Sua atuação era pautada na Doutrina de Segurança Nacional, formulada no contexto da Guerra Fria no National War College estadunidense e aprofundada no Brasil pela Escola Superior de Guerra (ESG). Os DOI-CODI eram centros de tortura e assassinato de pessoas que se opunham à ditadura militar.

O desespero da moça era tanto que a escondemos dentro da república. Moravam eu mais 11 colegas, todos descendentes de japoneses com idade entre 15 e 17 anos. Policiais militares passaram em frente da república e seguiram adiante. Horas depois a moça foi embora. Era uma prostituta.

Nessa época tive acesso às musicas de Chico Buarque, Gil, Caetano, Ivan Lins, Geraldo Vandré. Fui entendendo aos poucos o que estava acontecendo. Certo dia assisti à um discurso do então metalurgico Luis Inàcio Lula da Silva, que comandava uma greve geral numa praça em SJC. Foi o meu primeiro contato com Lula. O segundo seria em 1980, em Porto Velho, quando ele foi almoçar com os futuros petistas no nosso restaurante, o Barrikas, que era o point dos políticos da época. O Bangalô veio depois…

(*) Roberto Kuppê é jornalista e articulista político.