Do pão ao gás de cozinha, tudo encareceu de 20 dias para cá. O isolamento dói. Sofrendo o desabastecimento e experimentando mais um período de carestia em sua história, empresários, estudantes, profissionais liberais e outros destacaram, ontem, em suas faixas de protesto, a palavra “isolamento”. Queixam-se amargamente do “excesso de discursos e da falta de ações”. Sob chuva, a pé e motorizadas, cerca de quinhentas pessoas foram às principais avenidas da cidade, sexta-feira, para chamar a atenção dos governos federal e estadual. Documento assinado pelos participantes exige solução urgente para o problema. Golpeada pela Justiça Federal, que impediu a abertura da BR-421, a população sente, a escassez de gêneros alimentícios, combustíveis e medicamentos, causada pelo fechamento das suas únicas vias de acesso, as BRs-364 e 425.
Se, em 1982, aviões Búfalo da Força Aérea Brasileira transportaram gêneros alimentícios para a população desta cidade a 362 quilômetros de Porto Velho, hoje, a negativa em abrir-lhe um trecho da rodovia praticamente segregou os mais de 60 mil moradores da região. Somando-se a população do Departamento do Beni (Bolívia), esse número eleva-se para 230 mil. O Departamento de Estradas de Rodagem (DER) de Rondônia havia iniciado as obras de abertura de dez quilômetros na floresta durante o feriado carnavalesco. Apesar de a 5ª Vara Federal Ambiental e Agrária de Porto Velho proibi-las, a Assembleia Legislativa Estadual autorizou-a por lei (nº 1193/2014).
Para o Ministério Público Federal, “a construção no Parque Estadual é clandestina”. As polícias federal e militar foram acionadas para impedir a continuidade da derrubada da floresta. Coube à Procuradoria Regional da República da 1ª Região obter liminar para paralisar a abertura da rodovia, dentro do parque. O desembargador do Tribunal Regional Federal 1, Mário César Ribeiro, decidiu nesse sentido. “É brincadeira o equivocado posicionamento do MPF, se na região (onde se previam obras de abertura de um trecho da estrada) não existem índios sem contato a oito quilômetros do Parque Estadual, e os que lá estão já têm até olhos azuis”, desabafa o empresário e presidente da Academia de Letras de Guajará-Mirim, Paulo Cordeiro Saldanha. De acordo com procuradora regional da República Raquel Branquinho, é necessária a conservação do parque, onde, conforme estudos do MPF, “há vestígios da presença de indígenas nunca contatados, dentre eles a etnia Karipuna”. Os Karipuna foram numerosos durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, no início do século passado.
Após o veto à reabertura da BR-421, o drama da população de Guajará-Mirim aumenta. Conforme denúncia de Saldanha e de comerciantes locais, as balsas em funcionamento “são inadequadas” para o transporte de gás e combustíveis via Costa Marques, pois não dispõem de capacidade ideal. “O MPF foi indolente quando da concessão das autorizações para as duas usinas (Jirau e Santo Antonio), que produzirão mais impacto do que a reabertura de uma estrada de 11,5 Km”, lamenta Saldanha.
A região exibe situações únicas na Amazônia Ocidental Brasileira. A primeira ponte de madeira construída em Jacinópolis (a 300 quilômetros de Porto Velho) no início dos anos 2000 foi obra de integrantes da Liga dos Camponeses Pobres, indignados com o isolamento regional. Só mais tarde, o Departamento de Estradas de Rodagem de Rondônia iniciou uma frente de obras com 300 quilômetros de estradas para atender à produção agrícola desse distrito e do vizinho Rio Pardo, ambos localizados na região de Buritis.
“Dizer que pela BR-421 passarão bandidos e marginais é invencionice, mascarando a verdade, de vez que nela poderão passar a ter qualidade de vida cerca das pessoas, algumas delas por conta do Tratado de Petrópólis e sucedâneos. Por isso, Guajará-Mirim e Nova Mamoré estão revoltadas com essa discriminação federal”, ele adverte.
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SOBRE O SILÊNCIO DOS POLÍTICOS DE RONDÔNIA
A somatória de problemas piora a situação fronteiriça à Bolívia. Segundo o Departamento Nacional de Infraestrutura dos Transportes (DNIT), o isolamento complicou-se também devido à interdição de um trecho da BR-364 em Ariquemes, onde uma cratera abriu-se em janeiro passado. Na BR-425, a pista ficou muito esburacada em função do tráfego intenso. Construída há quase quatro décadas, essa rodovia nuncafoi reformada. A suspensão de projetos rodoviários para análise do Tribunal de Contas da União atrasou obras de recuperação e o período coincidiu com fortes chuvas e alagamentos dos rios Madeira, Machado, Jacy-Paraná e afluentes. De uma só vez o DNIT promete iniciar as recuperações somente a partir de abril próximo. Serão contempladas as BRs-364, 425, 174, 435, 421 e 429, totalizando mais de mil quilômetros de extensão e investimentos superiores a R$ 500 milhões. Dos trechos carentes de melhorias na BR-364, o DNIT reformará 196 quilômetros na região de Pimenta Bueno. Para a obra começar, falta apenas a assinatura do contrato com a empreiteira.
MONTEZUMA CRUZ/GENTE DE OPINIÃO