O Lago do Cuniã, em Rondônia, faz parte de uma reserva extrativista, criada em 1999 e que há três anos vem trabalhando com o abate de jacaré. Cerca de 80 famílias são beneficiadas pelo projeto.
Para chegar ao lago, é preciso descer o Rio Madeira, no sentido do Amazonas. A certa altura, dobra-se a esquerda no igarapé que dá acesso ao Cuniã.
Faz 40 anos que a caça de jacaré é proibida na Amazônia. Com a criação da reserva extrativista do Lago do Cuniã, a fiscalização e o controle passaram a ser mais rigorosos, o que aumentou significativamente o número de animais. O Instituto Chico Mendes calcula que na área existam algo em torno de 36 mil jacarés.
Agora eles estão por toda a parte, mas houve um tempo em que a caça sem controle fez diminuir bastante a quantidade de jacaré no lago. Ednaldo de Souza, presidente da Coopcuniã, Cooperativa dos Agricultores e Pescadores do Lago do Cuniã, diz que antes era tão difícil encontrar jacaré que ele nadava no lago quando tinha 10 anos. “Veio a proibição e a partir disso foi só aumentando. É um animal que reproduz muito. Depois de 20 anos, começou a ter uma quantidade muito grande de jacaré e a ter ataques”, conta.
Dez anos atrás, a família da Lucineide da Silva ficou menor depois que um jacaré avançou no seu filho de cinco anos. Ela estava lavando roupa na beira do lago, quando o menino Felipe foi puxado de repente. A dor da Lucineide deu forças para que a comunidade do Cuniã se unisse e criasse um projeto de manejo junto ao ICMBIO, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, órgão do Ministério do Meio Ambiente que fiscaliza a reserva.
“Foi todo um processo de amadurecimento. Não só nos princípios do manejo, mas também na questão de pesquisa que a vigilância exige e que o próprio mercado exige para que a carne tenha boa qualidade, de procedência garantida até o consumidor final”, explica Cristiano Andrey Souza do Vale, biólogo do ICMBIO. Mudou inclusive a maneira como a comunidade enxergou o jacaré.
“Eles viam o jacaré como uma ameaça, hoje já é um recurso. Eles cuidam dos jacarés e dos ninhos também. Eles conservam esse lugar tão bonito como é o Cuniã”, completa.
O manejo funciona assim: todo ano é feita uma contagem visual dos jacarés do lago e a partir daí se define a quantidade de animais que podem ser abatidos e comercializados.
Ana Delanir Flores é a bióloga que acompanha o trabalho na comunidade. “No Lago do Cuniã tem tanto jacaré como tem outras espécies. Tem uma grande variedade de animais aqui dentro. Peixes, aves, vários mamíferos. Por isso o jacaré achou um berçário, um paraíso aqui no Cuniã”, diz.
O jacaré predominante do Lago do Cuniã é o jacaré-açu, conhecido também como Melanosuchus Níger, que significa ‘monstro negro gigante’. “Ele é agressivo e se sentir ameaçado vai ataca”, diz a bióloga.
O jacaré-açu pode chegar a seis metros de comprimento, enquanto o jacaré do Pantanal, por exemplo, não passa dos três metros. “O jacaré para ser abatido tem que ter no mínimo 1,80 metros e no máximo 2,98 metros. O peso varia entre 20 e 170 quilos”, diz Ana Delanir, bióloga.
A captura é o momento mais tenso no manejo de jacaré no Lago do Cuniã, em Rondônia. O trabalho é feito à noite porque é quando os animais se tornam mais vulneráveis.
Os homens que saem para a caça são os chamados jacarezeiros, uma mistura de pescador e aventureiro, que se especializaram na captura de jacaré na natureza. Gente da própria comunidade, que encontrou nesse trabalho uma nova profissão.
O momento mais delicado na captura do jacaré é a hora de laçá-lo. Tem que ter o máximo de silêncio e o mínimo de agito. O jacarezeiro tem que ser preciso para o animal não fugir. Tudo isso, só com a luz da lanterna.
É necessário saber o sexo do jacaré porque no Cuniã há mais machos do que fêmeas, por isso, só os machos podem ser capturados. Uma fita é passada na boca do jacaré, e outra nos olhos. Já dentro do barco, as patas são amarradas para trás e os jacarezeiros verificam se o tamanho está dentro do padrão.
Quando saem para a caçada, cada equipe tem uma meta. Na noite em que a reportagem acompanhou o trabalho no Lago do Cuniã, cada uma das quatro equipes tinha que capturar três jacarés.
O trabalho demora porque os jacarezeiros encontram muitos animais bravos, fêmeas que precisam ser devolvidas para o lago, sem contar as inúmeras tentativas de captura que não dão certo.
Quando a cota da noite é atingida, eles voltam para a comunidade satisfeitos. E assim se encerra mais uma noite de captura de jacaré no lago do Cuniã. Um trabalho que une preservação ambiental com desenvolvimento econômico e social, o tripé da sustentabilidade.
Fonte: G1/ Globo Rural/ICMBio