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terça-feira, junho 24, 2025

O 10 de maio na história O real do horror: Quando o nazismo incinerou o saber médico

Por Vinicius Valentin Raduan Miguel (*)

A queima de livros protagonizada pelo regime nazista em 10 de maio de 1933 constitui um acontecimento paradigmático que escancara o encontro entre ideologia e o gozo mortífero do poder. Nas praças alemãs, não eram apenas páginas que ardiam, mas todo um campo simbólico de conhecimento que tentava-se extirpar do tecido social. No que tange à medicina e seus saberes correlatos, o apagamento foi sistemático e revelador.

O que se procurava queimar, afinal? Precisamente aquilo que denunciava o impossível da fantasia nazista de uma sociedade sem falta, sem diferença – uma tentativa perversa de obturar a castração simbólica. A ciência médica dos autores perseguidos apontava justamente para o Real que o nazismo tentava recusar: a incompletude constitutiva do humano, a pluralidade irredutível do desejo, o corpo que escapa às tentativas de normatização absoluta.

A Engrenagem da Destruição: Antecedentes e Organização da Queima de Livros

A incineração de obras científicas e literárias em maio de 1933 não foi um ato espontâneo, mas o resultado de um meticuloso planejamento que se inscreve na lógica da “sincronização” (Gleichschaltung) – processo pelo qual o regime nazista buscou alinhar todas as instituições alemãs à sua ideologia nos primeiros meses após a tomada de poder.

Em 6 de abril de 1933, a União Estudantil Alemã (Deutsche Studentenschaft), já infiltrada por elementos nacional-socialistas, publicou as “Doze Teses contra o Espírito Não-Alemão” (Wider den undeutschen Geist), manifesto que declarava guerra à “decadência intelectual” e exigia “pureza na língua e nos escritos alemães”.

O documento, afixado em universidades por todo o país, anunciava explicitamente: “O judeu só pode pensar em língua judaica. Se escrever em alemão, está mentindo” (FRIEDLÄNDER, 2009, p. 119).

O principal articulador desta campanha foi Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich, que transformou um movimento estudantil em operação estatal coordenada. Segundo seu diário, Goebbels viu na iniciativa estudantil uma oportunidade de espetacularização do “despertar alemão”: “Falei com os estudantes sobre a queima de livros. Deve ser realizada em todas as cidades universitárias alemãs. Vou fazer um discurso em Berlim. Isto deve se tornar uma grande e simbólica cerimônia” (GOEBBELS apud EVANS, 2005, p. 423).

Entre 26 de abril e 10 de maio de 1933, desenvolveu-se a “Ação contra o Espírito Não-Alemão” (Aktion wider den undeutschen Geist).

Professores universitários forneceram listas de obras a serem banidas. Bibliotecas e livrarias foram invadidas. Em Berlim, estudantes saquearam o Instituto de Sexologia de Magnus Hirschfeld, removendo mais de 20.000 volumes e 5.000 fotografias.

No dia 10 de maio, às 22 horas, tochas acenderam-se simultaneamente em 34 cidades universitárias alemãs. Em Berlim, na Opernplatz (atual Bebelplatz), aproximadamente 40.000 pessoas assistiram ao espetáculo. Enquanto estudantes uniformizados jogavam livros nas chamas, locuções radiofônicas transmitiam “sentenças de fogo” (Feuersprüche) – justificativas para a destruição de cada autor.

Não houve transmissão televisiva do evento, já que a televisão ainda era uma tecnologia experimental em 1933, mas o regime utilizou amplamente o rádio (então o meio de comunicação de massa mais avançado) e produziu cinejornais que foram exibidos nos dias seguintes em todo o país.

Como observa Bytwerk em sua análise da propaganda nazista, “a coreografia da queima foi pensada principalmente para a disseminação via rádio e fotografia, criando um ritual coletivo que pudesse ser experimentado mesmo por quem não estava fisicamente presente”

(*) Vinicius Valentin Raduan Miguel é advogado e professorPode ser uma imagem de 1 pessoa e estudando na Universidade Federal de Rondônia, ativista ambiental e secretário municipal do Meio Ambiente de Porto Velho

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