Por Informa Rondônia
Em um relatório contundente divulgado nesta quarta-feira (5), o Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CRC) denunciou uma série de violações sistêmicas cometidas contra crianças no Brasil — com especial gravidade no que se refere à violência letal, ao racismo estrutural, às desigualdades socioeconômicas e aos retrocessos legislativos.
O documento, resultado da avaliação dos relatórios periódicos submetidos pelo país à ONU, classifica a situação como “alarmante” e exige medidas urgentes e estruturais por parte do Estado brasileiro. A avaliação foi adotada no dia 30 de maio de 2025 e representa uma das críticas mais severas já emitidas contra o Brasil no campo dos direitos da infância.
⚠️ Violência letal contra meninos negros: uma tragédia anunciada
Entre os pontos mais graves do relatório está a denúncia da violência sistemática contra crianças afro-brasileiras. Segundo o Comitê, o país enfrenta um “nível extremamente alto de letalidade” infantil, agravado por operações policiais em favelas, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais cometidas por agentes do Estado.
A ONU exige que o Brasil:
Torne obrigatório o uso de câmeras corporais por policiais, com revisão imediata da Portaria nº 648/2024 do Ministério da Justiça.
Eleve o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) a política nacional, com força de lei.
Investigue, puna e dê publicidade aos casos de violência letal contra crianças.
Crise climática e colapso ambiental: “as crianças estão pagando a conta”
O Comitê expressou preocupação com os impactos das mudanças climáticas e da degradação ambiental sobre a saúde, segurança e sobrevivência de milhões de crianças — especialmente indígenas, quilombolas e ribeirinhas. A devastação da Amazônia e do Cerrado foi apontada como ameaça direta aos direitos fundamentais da infância.
A ONU cobrou:
A ratificação urgente do Acordo de Escazú.
A inclusão da infância nas políticas climáticas, inclusive com participação ativa de crianças nos planos de ação.
A proibição do garimpo e exploração ilegal de terras em territórios indígenas, dada sua correlação direta com mortalidade infantil, doenças e fome.
⚖️ Justiça juvenil e retrocessos legislativos: “inaceitáveis”, diz ONU
O Comitê foi enfático ao condenar projetos de lei que buscam reduzir a maioridade penal ou ampliar penas para adolescentes. Classificou essas propostas como regressivas e incompatíveis com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
O relatório também denuncia:
Superlotação e violência nos centros socioeducativos.
Racismo institucional no sistema de justiça juvenil.
Abusos e violações cometidas contra meninas privadas de liberdade, incluindo casos de violência de gênero e gravidez sob custódia.
⚕️ Saúde mental e reprodutiva: Brasil falha com adolescentes
Em outro ponto sensível, a ONU denuncia a ausência de uma política nacional sobre saúde sexual e reprodutiva para adolescentes. O comitê expressa “séria preocupação” com a criminalização de meninas vítimas de violência sexual que buscam o direito ao aborto legal.
Entre as recomendações:
Descriminalização do aborto em todas as circunstâncias.
Inclusão da educação sexual no currículo escolar.
Ampliação da rede de acolhimento para vítimas de estupro, com garantia de aborto seguro e acompanhamento psicológico.
Pobreza estrutural e negligência histórica
Apesar de ser classificado como país de renda média-alta, o Brasil permanece marcado por profundas desigualdades regionais e raciais. O Comitê aponta que crianças negras, indígenas e periféricas continuam a viver em níveis alarmantes de pobreza, fome e exclusão.
A ONU pede:
Ampliação do Bolsa Família, BPC e programas de habitação.
Adoção de políticas redistributivas urgentes, com foco nos territórios mais vulneráveis.
Fortalecimento da alimentação escolar com produtos da agricultura familiar, sobretudo de mulheres rurais.
✊ Grupos sob ataque: indígenas, trans, migrantes e crianças com deficiência
O documento também denuncia a ausência de medidas efetivas para proteger:
Crianças indígenas em isolamento voluntário.
Crianças transgênero vítimas de discriminação e violência.
Migrantes e refugiados em situação irregular.
Crianças com deficiência institucionalizadas ou sem acesso a educação inclusiva.
A ONU cobra que o Brasil:
Proíba cirurgias desnecessárias em crianças intersexo.
Garanta políticas específicas para crianças com Síndrome Congênita do Zika e Transtorno do Espectro Autista.
Regularize o acesso à documentação para crianças migrantes e garanta políticas de acolhimento.
Educação em risco: militarização e evasão escolar
Apesar dos avanços recentes, o relatório critica a militarização de escolas públicas e a persistência da evasão escolar entre meninas grávidas ou mães adolescentes. A ONU recomenda:
Implementação imediata do Novo Plano Nacional de Educação (2024–2034).
Ampliação da educação infantil na região Norte.
Proibição definitiva de operações policiais próximas às escolas.
—
“Infância brasileira em risco”, alertam especialistas
Para o professor Vinicius Miguel a expectativa é de resposta do Executivo, do Judiciário e do Parlamento com a adesão dos apontamentos.
“Este documento tem peso político e jurídico. Esperamos que seja usado por movimentos sociais, defensorias, Ministério Público e até pelo STF para fazer valer os direitos da infância”.
O que acontece agora?
O Brasil deverá apresentar resposta oficial e plano de ação aos organismos internacionais nos próximos meses. O Comitê da ONU recomenda que as conclusões sejam amplamente divulgadas em linguagem acessível às próprias crianças e acompanhadas por instâncias independentes, como defensorias e conselhos tutelares.