A população percebeu que sua principal arma na luta contra a violência policial é a comunicação. E como web atores tem a utilizado para escancarar o que vivem há muito tempo. Só por isso, como no caso da Favela Naval, cujos rambos de lá já estão soltos por aí falando que foram injustiçados, o caso de Cláudia Silva Ferreira é conhecido. Quantas cláudias já não foram massacradas de forma absolutamente desumana por policiais militares de todo o Brasil?
E quantas vezes o amigo viu governadores e o Congresso se mobilizando para discutir formas de punir a corporação que em nome da guerra contra as drogas fez com que o Brasil tivesse muitas cidades entre as mais perigosas do mundo para se viver? Quantos homens públicos vieram a público depois das cenas chocantes de Cláudia Silva Ferreira sendo arrastada por um camburão dizer que o país precisa de leis mais duras para punir seus PMs?
É evidente que o título acima é uma provocação. Não sou a favor de pena de morte para quem quer que seja. E não há PMs menores de idade, o que torna a provocação ainda menos real. Mas a morte de uma mãe de quatro filhos parece ser algo menor no imaginário das elites brasileiras. Ela não era branca, não era classe média e se estava num lugar onde houve troca de tiros entre traficantes e policiais coisa boa é que não deveria ser. Por isso, sua morte, mesmo similar, choca muito menos do que a do garoto João Hélio, assassinado em fevereiro de 2007.
Naquela ocasião o país parou para debater tanto a pena de morte para crimes hediondos, como a diminuição da maioridade penal. E não foram só brucutus como Bolsonaro que defenderam a pena capital. Naqueles dias, por exemplo, um importante e progressista filósofo da USP publicou um artigo na Folha de S. Paulo, considerando a questão com argumentos do tipo: “não paro de pensar que deveriam ter uma morte hedionda, como a que infligiram ao pobre menino. Imagino suplícios medievais, aqueles cuja arte consistia em prolongar ao máximo o sofrimento, em retardar a morte”. Em relação ao caso Cláudia, nenhuma palavra.
Vale menos a vida de uma faxineira pobre? A Polícia Militar brasileira não se pode comparar à Gestapo? É menos trágico ver o corpo de uma mulher sendo arrastado por 250 metros de ruas do Morro da Congonha depois de ter sido baleado? Quais são os critérios que nos levam a pensar em leis mais duras ou punições mais severas? Qual é o critério que nos faz definir civilização e barbárie?
O Brasil não pode mais ser pensado pelo viés da violência. Chegamos ao fundo do poço de uma banalização completa da vida. Por isso está mais do que na hora de mudar a chave. Começar a discutir como diminuir o aparato de repressão, tornar as penas mais educativas, diminuir o número de prisões e presidiários, acabar com a guerra das drogas, descriminalizando algumas e controlando o uso de outras. Ou seja, fazer a opção pelo que é civilizado. E ampliando imensamente o investimento em cultura e educação.
Enquanto nossa indignação tiver produzindo apenas mais violência o destino será ir encontrando-a cada vez mais a cada esquina. E neste sentido, a Polícia Militar no Brasil precisa ser eliminada. Ela é hoje a expressão do luto na vida de milhares de brasileiros que vivem na periferia. Mas o fim da PM não pode acontecer com base num sentimento de vingança. Tem que ser um caminho de libertação coletiva, incluído a de muitos daqueles que estão na corporação e que tem atuação séria. É preciso incorporar essas pessoas numa outra demanda do Estado. Numa demanda da construção de um novo país. Onde não se faça a pacificação arrastando um corpo pelas ruas de uma bairro pobre como se fosse um traste qualquer. Onde a vida tenha valor. E onde nomes como o de Cláudia e de João Hélio se tornem símbolos de um país que ficou para trás. E do qual os envergonhamos muito. É uma pena que ainda pareçamos tão distantes deste momento.
Fonte: Blog do Rovai/Revista Forum