A solidariedade petista e a sintaxe humanista

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Lula Miranda

 

Lula Miranda
Lula Miranda

Por Lula Miranda

– Você sabe onde encontrar solidariedade e justiça? – perguntou-lhe o bom homem.

– Sei! Nas páginas de um dicionário – respondeu-lhe o poeta, com ironia.

Vivemos tempos difíceis. Tempos de pressas e urgências. Tempos em que o futuro de homens (e mulheres) é negociado ao preço da usura do “deus mercado”. Tempos em que algumas palavras, ou melhor, os sentimentos e emoções que estas traduzem e registram no léxico da língua, tendem a se tornar sintagmas [morais] ocos, destituídos de uso e sentido; palavras mortas, em desuso no idioma, só restando-lhe o registro nas páginas dos dicionários e na literatura.

Vivemos, desde sempre, sob a égide do capitalismo. E construímos a nossa anima e valores a partir dos princípios [ou da falta destes] desse sistema econômico. Para nós, a competição, o egoísmo, a indiferença, a soberba, a usura, a injustiça passaram a ser preponderantes em nosso vocabulário, no nosso dia-a-dia e, por conseguinte, na nossa alma. E nem nos apercebemos disso. Assim, nos tornamos, pouco a pouco, indiferentes a outros valores e crenças tão caros e essenciais à nossa humanidade; essenciais àquilo que nos faz humanos e nos diferencia das bestas-feras.

Cito de memória o poeta Augusto dos Anjos: “O homem, que entre feras vive, sente inevitável necessidade de também ser fera”.

Portanto, tendemos, em meio à indiferença, ao individualismo e ao arrivismo que permeiam o ideário do capitalismo, a nos tornar feras; tendemos a perder a nossa humanidade.

Não sou socialista, muito menos “comunista”, já disse isso aqui reiteradas vezes. Sou daqueles que criticam o capitalismo, mas sou capaz de reconhecer e louvar os seus méritos e qualidades. Porém, sou do grupo, cada vez maior, de indivíduos que defendem uma progressiva humanização do capitalismo; dos que preconizam um sistema econômico com menos concentração da riqueza e da renda, e, por isso, com mais justiça social.

Mas esse texto era, inicialmente, tento agora retomar o fio da meada, para louvar o exemplo dos militantes do Partido dos Trabalhadores, que, num ato de solidariedade pungente, emocionante, deram-nos uma acachapante lição de moral ao contribuírem em massa para uma “vaquinha virtual” visando ajudar os seus companheiros a pagar as multas estabelecidas pelo STF no julgamento da AP 470.

Confesso que fiquei surpreendido com o resultado dessas “vaquinhas”. Mais estarrecido ainda fiquei com a tentativa de alguns setores, e da grande imprensa, de desqualificarem-nas ou de descobrirem alguma suposta ilegalidade nelas. A solidariedade venceu “de goleada” as imprecações e o pessimismo dos maledicentes. É sinal de que nem tudo está perdido. Que o companheirismo e solidariedade petistas nos sirvam como lição! Qual outro partido poderia utilizar-se de tal expediente com tamanho, retumbante, eloquente êxito?

Aliás, me pego pensando: o que seria de nós, brasileiros, se não fossem as ações do Partido dos Trabalhadores e de seus aguerridos e fiéis militantes ou simpatizantes, dos sindicalistas e dos movimentos sociais ao longo desses últimos trinta e poucos anos? Como estaria hoje a vida dos trabalhadores e dos brasileiros – notadamente os mais pobres?

Será que temos a devida noção e reconhecimento do muito que estes já fizeram pela “humanização” do nosso capitalismo e da nossa sociedade?

Prezado leitor, se você está de alguma maneira engajado e dando a sua modesta contribuição para a transformação da sociedade, meus parabéns e o meu sincero e comovido agradecimento. Pois você é daqueles, a exemplo dos petistas e demais humanistas, que dão vida e sentido a palavras essenciais e à expressão dos nossos sentimentos mais caros e fundamentais, tais como justiça, solidariedade, fraternidade, amor e compaixão. Você, muitas vezes sem saber, é daqueles “poetas”, “artistas” ou “militantes” que não permitem que essas palavras se tornem mera letra morta, esquecidas em dicionários empoeirados. Você é daqueles que impedem, com seu suave e singularíssimo sopro de vida, paixão, poesia e arte, que homens (e mulheres) transformem-se em pedra, em pó.

Deixemos que as estátuas de pedra de sempre prossigam fazendo sua pregação infame, solitária, egoísta, ordinária e anacrônica nas praças desertas e abandonadas do passado.

Sigamos com nossos pequenos gestos transformadores, solidários e revolucionários. Pois somos nós que construímos o novo, o futuro, o porvir.

O passado é aquilo que já passou. Ficou para trás.

Sigamos em frente.

Viva a solidariedade – dos petistas e de todos humanistas!

Viva a fraternidade!

Viva a verdadeira fortuna e a revolucionária sintaxe da humanidade!

[N.A.: O diálogo que dá início a esse texto foi inspirado num poema do poeta Douglas de Almeida. E o texto todo foi inspirado num artigo do escritor Emiliano José. A palavra “fortuna”, aqui empregada, não podemos perder os sentidos, é dotada de graciosa polissemia: tanto pose significar riqueza como sorte.]