Corre-se o risco de a manutenção da liminar impeditiva à continuidade da abertura da BR 421, ocasionar prejuízos irreparáveis – a milhares de pessoas e ao poder público – do que aos bens e valores socorridos pela medida judicial. Por estas mal alinhavadas linhas pretendo em “voo de pássaro” tecer breves considerações sobre a interdição judicial da abertura da BR-421 utilizando pequeno trecho da Unidade de Conservação Estadual Guajará.
Atendendo promoção do Ministério Público Federal em Rondônia, eminente Magistrada do TRF1 concedeu medida cautelar interditando a continuidade dos serviços da BR 421 – que permitiria o acesso ao Município de Ariquemes – executados pelo DER-Departamento de Estrada de Rodagem do Estado, autorizado pela Lei Estadual nº 1193/2014. A primeira questão a despontar, sem adentrar no mérito do assunto que, por certo será objeto de deliberação da Procuradoria Geral do Estado, diz respeito à constitucionalidade da norma legal acima referida. À primeira vista, infere-se que a norma citada teve sua validade desconsiderada pelo Juízo Federal prolator da liminar em tela.
Quanto aos argumentos brandidos pelo MPF, acatados “in totum” pela Desembargadora Federal, cabe opor ponderações: a concessão da medida liminar pressupõe o atendimento a duas condições simultâneas: a “fumaça do bom direito”(fumus boni iuris) e o “perigo da demora”(periculum in mora).
Pela brevidade do espaço, e, até por não tratar-se de uma peça jurídica, dar-se-á tratos ao perigo da demora subjacente à concessão da decisão judicial que interrompeu o prosseguimento dos serviços. Com efeito, a utilização de uma pequena parte da reserva estadual visava a evitar o isolamento dos municípios de Nova Mamoré e Guajará Mirim, ambos com população acima de 60 mil habitantes. O risco iminente, que se agrava dia a dia, é o estabelecimento de um verdadeiro caos a ser sofrido pelos moradores de ambas as áreas, com efeitos graves no ambiente social e econômico da população.
Socialmente, a degradação dos serviços de segurança, abastecimento, educação e saúde – principalmente para os ribeirinhos e moradores das reservas extrativistas e indígenas – afora o desgaste emocional e as consequências do estresse com maior ou menor intensidade para cada pessoa atingida pela catástrofe.
Economicamente, prejuízos para as atividades econômicas de toda natureza, urbana e rural. Em fim, estão em iminente risco, o direito natural à vida e o direito social ao trabalho, garantidos, dentre outros, no art. 1º da CF/88. E quais os argumentos para se contrapor ao anseio de dezenas de milhares de pessoas vítimas, direta e indiretamente, da maior cheia que se tem noticia em toda a região?
Foram: a) vestígios – em tempos não precisados – de “indígenas não contatados” – e sem comprovação de que lá se encontrem ; b) atividades criminosas de madeireiros e traficantes que seriam os principais interessados na abertura desse trecho inserida na área da reserva; c)”ações clandestinas de destruição da rota alternativa, no intuito de criar uma situação forçada para a abertura da estrada pelo parque”, e d) a indicação de supostas rotas alternativas para o abastecimento de GMirim (sic).
Inicialmente cabe ressaltar, com a máxima vênia e respeito à insíclita Magistrada autora da liminar, que o fundamento da letra “a” não tem sustentação. De fato, se houvessem efetivamente indígenas na área, se poderia alegar perturbação em área de perambulação da população índia – o que não ocorre.
Por outro lado, destaca-se que não caberia acatamento aos fundamentos indicados nos itens “b” e “c”, vez que poderiam se configurar em capitulação face às práticas criminosas aventadas pelo MPF que, em as havendo, caberia ao Poder Público combate-las sem prejuízos à sociedade.
Tais itens (“b” e “c”) atribuem às populações interessadas ser massa de manobra a serviço de meliantes interessados na destruição de rotas alternativas (que não se sabem quais) e na abertura de vias para a criminalidade ambiental e para o narcotráfico. Em absoluto, tal não se compadece com a realidade dos fatos. Com efeito, a extração de madeira ilegal não prosperaria em razão do período chuvoso e do pequeno trecho de estrada que poderia ser bem fiscalizado, do mesmo modo que, se há tráfico, os traficantes não estariam dependendo desse pedaço de estrada para suas ações criminosas. Além do mais, se o acesso aos municípios é de interesse dos narcotraficantes, a medida mais eficiente seria isolar Guajará Mirim e Nova Mamoré, definitivamente, de qualquer ligação com o resto do Estado – o que seria um despautério.
A respeito do indicado na letra “d” acerca da existência de “rota alternativa pela via terrestre, Linha 29” e “rota fluvial, Costa Marques/ Ji Paraná (sic – site de noticias.pgr.mpf.mp.br), temos a observar: a saída pela Linha 29 encontra-se seriamente comprometida diante da iminente possibilidade da destruição definitiva de trecho da estrada Jacy Paraná/Porto Velho; e a indicada rota fluvial é inexistente. Contudo, admitindo-se que haja um erro de informação, e a alegada saída Ji Paraná/ Costa Marques seja na realidade não fluvial, mas terrestre, só teria serventia para Guajará Mirim e Nova Mamoré caso houvessem recursos disponíveis, a curto prazo, para investimentos em embarcações, rebocadores, pessoal habilitado, porto para embarque e desembarque adequados, fatores há muito escassos na localidade. Sem falar na escassez de combustível para acionar as composições fluviais, e no custo que afetaria toda a mercadoria transportada. Mais ainda, a alagação deveria ser um fenômeno restrito aos municípios de G.Mirim e Nova Mamoré, sem atingir o município de Costa Marques e adjacências, o que, fatalmente, ocorrerá.
Isto posto, não se deu às populações interessadas o peso devido pela ordem jurídica vigente, nem as derivadas de uma visão humanitária em favor de dezenas de milhares de seres humanos.
Dito isso, reafirmo: corre-se o risco de a manutenção da liminar impeditiva ocasionar mais prejuízo às populações de Guajará Mirim, Nova Mamoré, e ao Poder Público, do que aos bens e valores socorridos pela medida judicial.
Por Bader Massud